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quinta-feira, 16 de maio de 2019

O conceito do que é vida

"Talvez, o importante para nos preocuparmos não seja quando a vida começa, mas sim, quando ela faz falta."

Nós humanos não sabemos definir o que é a vida de forma bem determinada. A palavra é polissêmica. E todos nós apelamos para uma intuição bastante tácita deste conceito.

  • Vida pode ser considerada atividade orgânico-biológica;
  • Vida pode ser considerada a partir de criaturas que podem se reproduzir de forma independente, e por isso os vírus não seriam classificados como vivos, pois eles dependem de uma outra criatura para poderem se multiplicar;
  • Vida pode ser considerada a partir do momento da fecundação de dois gametas.
  • Vida pode ser considerada a partir da formação da primeira célula do sistema nervoso-neurológico.

Estes conceitos de 'estar vivo' estão sempre atrelados a existência de atividade celular. E dentro desta determinação, podemos dividir a vida em duas categorias: Seres vivos conscientes e seres vivos não conscientes.

Ou seja, na categoria dos não conscientes como bactérias, plantas-vegetais, peixes, aves, a vida é uma instância que pode ser tirada.

Na categoria dos seres conscientes pairam os humanos. E na categoria dos semi-conscientes estão os animais de estimação, aves, gatos, cães e outros seres que demonstram inteligência limitada como primatas-símios e golfinhos. Em geral esta semi-consciência vem de nossa classificação arbitrária sobre incomunicação. Estes grupos de criaturas não tem uma linguagem interpretável que seja equiparada aos idiomas praticados pelos humanos.

Até aqui, parece que a capacidade de se comunicar é fator essencial para determinação da auto-consciência, ou pelo menos da nossa capacidade de exprimir que somos seres auto-conscientes. Se um gorila é auto-consciente, ele não se demonstra capaz de nos explicar que ele também se reconhece como criatura pensante.

Mas, suponha, em um exercício mental, que você está andando de automóvel, então você escuta um barulho de buzina estridente quando de repente, sem entender bem o que está acontecendo (ou o que aconteceu) você abre seus olhos. Já não está mais dentro do automóvel. Logo percebe que está no quarto de um hospital.

Sua primeira preocupação: Será que eu estou bem?
Você se dá conta que sofreu um acidente.

Sente suas pernas, movimenta suas mãos. Se lembra quem você é, todas as suas memórias estão ainda contigo. Sente medo, frio na barriga. Quer receber visita dos parentes e pessoas amadas. E espera que a outra pessoa que estava no veículo não tenha se ferido gravemente. A possibilidade de pensar que ela foi ao óbito lhe faz querer chorar.

Enfim, você está vivo. Certo? Sobreviveu ao acidente.

O médico entra no quarto e diz que você pode se levantar. Mas ao se levantar, e sair de baixo dos cobertores, você se dá de cara com um espelho e toma um enorme susto: Percebe que seu corpo é todo de metal. Pernas, braços, tronco e cabeça, tudo reluzente, cromado...

"O que foi que aconteceu comigo?"

O médico explica que não conseguiram salvar o seu corpo. O incêndio consumiu tudo. E antes que o seu cérebro também parasse de funcionar, aplicaram-lhe uma técnica nova. Transferiram você pra um cérebro eletrônico. Já não existem mais células-orgânico-biológicas no seu corpo. Você é 100% mineral. Mas, o que lhe causa estranheza é que, apesar de sua consciência não ser mais subsidiada por um arcabouço orgânico, ainda assim você se sente vivo. Se lembra de tudo. Sabe quem é. Sensações, sentimentos, memórias, estão todas aí contigo. O seu novo corpo eletro-mecânico subsidiou 100% das suas atividades conscientes.

E agora? Você se sente vivo? Está vivo?

Portanto, a conceituação de vida pode não estar diretamente ligada à biologia (conforme os itens enumerados no começo deste texto), e talvez a conceituação do que é vivo nem esteja também ligada à questão da auto-consciência. Vida pode ser um elemento mais complexo do que um corpo biológico pode conter, mas, não percebemos esta relação assim como o peixe não percebe a água e nós não percebemos o ar ao nosso redor.

Essa é uma discussão interessante.

Uma conceituação de vida que eu venho percebendo é denominada por uma relação de 1:N (um para muitos) onde N é o número de relações sociais que 1 (o indivíduo) pode ter.

Um recém nascido jogado no lixo só sobrevive em uma relação onde N é >0 (maior que zero) e alguém se importa com ele. Ou seja, pelo menos uma pessoa (mais que zero ou nenhuma) tem que tirar essa criança do lixo e decidir cuidar dela, ou entregar a criança para alguém que cuide. Ou a criança morrerá sem ninguém saber ou sem ninguém sentir sua falta, inclusive a mãe (progenitora) que a rejeitou.

O aborto então, no caso, não passa a ter problema quando a relação é de 1:0 (um para zero), ou seja, a criatura não criou vínculos com outros seres vivos.

Infelizmente eu não tenho mais a referência bibliográfica de uma pesquisa muito interessante, mas que dizia que os bebês recém nascidos liberam feromônios para produzir ocitocina na mãe e no pai. Estes feromônios são responsáveis por evitar uma possível rejeição. O prazer químico causado nos pais faz a criança ser aceita.

Nesta linha de argumentação, também podemos pensar nos indigentes e moradores de rua, onde a relação é de 1:0 (um para nenhum). Quando um desconhecido morre na sarjeta, de frio, ou de fome, não aparece ninguém para se importar ou ficar triste. Ele morre sem comoção, ou ainda, vive como se estivesse morto, por não ter companhias. Um invisível para a sociedade. Ele é auto-consciente, tem atividade biológica, mas tanto faz se o universo tem nenhum ou 10 bilhões de criaturas conscientes e capazes de se comunicar verbalmente, pois ele não estabelece qualquer tipo de relação com nenhuma delas.

O que nos prende à sensação de querer estar vivo é a relação onde N>0, ou seja, você precisa ter pelo menos uma pessoa que se importa contigo. Nos presídios, até mesmo os mais valentões não suportam ser mandados para a cela solitária, e os que permanecem na solitária por muito tempo, ou voltam mansos para o convívio social, ou enlouquecem. Os presos, de modo geral, preferem ser molestados nas celas, pelos companheiros, do que permanecer em segurança na solitária.

Portanto, o meu parecer sobre o termo vida não está associado ao fator biológico, tampouco ao fator de auto-consciência. A vida, para fins funcionais, só pode ser exercida numa relação de 1:N (um para muitos) onde N>0 (o número de relações entre dois seres auto-conscientes deve ser maior que nenhum).

Os suicídios e uso de drogas, segundo esta pesquisa (https://www.cvv.org.br/blog/drogas-e-vicio-o-problema-pode-ser-a-gaiola/), podem estar relacionados a ausência 1:N onde N>0.
Ratos isolados em uma gaiola tornam-se viciados. Ratos que praticam atividades sociais não se viciam.

Ou seja, dos grupos de pessoas socialmente excluídas, algumas são capazes de cometer suicídio e outras se entorpecem ao ponto de não perceberem que existem.

Enfim. Por isso todos nós somos avessos à interrupção da vida por terceiros. O homicídio/assassinato se dá quando uma pessoa nos tira o convívio de alguém que estava dentro do nosso círculo de relação 1:N. A dor é maior para os que ficam (1) do que para os que se vão (N).

Portanto, se vamos interromper - legitimamente - o processo de 'vida' (biológica ou eletrônica) de uma criatura auto-consciente, muito provavelmente faremos esta interrupção quando esta criatura não interage:

* Uma pessoa doente em estado vegetativo e irrecuperável. E mesmo assim, quem está vivo ainda reluta em desligar os aparelhos, guiado pela noção do conceito de vida essencialmente biológica-celular-orgânica. Pense, e se o corpo inativo fosse todo de metal? Eletro-mecânico?

* Uma 'criatura' que ainda não teve tempo de se tornar pessoa e interagir pela primeira vez. A qual o potencial primeiro vínculo 1:1 (filho:mãe) não se estabelece. O nascituro está dentro do útero, em formação, mas já dispõe de uma relação 1:0, por não estabelecer vínculo entre outros seres, sejam o pai, tios, avós e principalmente a própria genitora. A gravidez poderá ser interrompida, e se não for, a criança poderá morrer abandonada. Neste caso, o elemento zero da relação 1:0 poderia ser preenchido por um estranho. Alguém que negocie com a genitora-gestante: Termine de gerar a criança e eu me responsabilizarei por equilibrar esta relação em 1:1+ sendo o primeiro tutor. A criança nasce e é levada embora por aquele que decidiu se responsabilizar por ela, estabelecendo a relação de recém-nascido:tutor-adotivo, potencializando, inclusive que a relação se estenda para 1:N a medida que a criança crescer e se relacionar com mais humanos.

Obs: Nada impede que a vontade de permanecer vivo seja de 1:N (um para muitos) onde este 'muitos' pode ser assumido pela figura de um animal doméstico que interage, ou até mesmo com um animal eletrônico, que interage. Há um fenômeno recente, nos países asiáticos, neste sentido, onde cada vez mais asiáticos estabelecem relações com seus assistentes virtuais.

Concluindo, talvez o conceito de estar vivo só faça sentido, para todos os efeitos, quando não estamos sós. E embora dê-se muito valor ao conceito de vida-orgânica-biológica-auto-consciente, ela sozinha parece não se sustentar. A vida-eletrônico-mecânica-auto-consciente, no futuro, talvez tenha o mesmo valor social que a sua modalidade celular-biológica, não porque elas são auto-conscientes, mas porque elas são capazes de estabelecer relações com pares, de forma que a importância destas relações é ambivalente para os seus participantes e a ausência de um afeta dramaticamente as sensações e os sentimentos do outro.

Eu ia deixar um mistério enigmático, mas acho melhor eu esclarecer, pois desta vez eu quero ser entendido. Estou anexando três imagens:

1. Além da Imaginação - Mitchell Chaplin é marcado na testa por ser condenado à 1 ano de invisibilidade. As pessoas tratam-no como se ele não existisse. http://devezemvez.blogspot.com/2009/03/marca-na-testa.html


2. Inimigo Meu - Um humano e um drac estão perdidos num planeta deserto. Embora as duas raças sejam inimigas de guerra, eles não se matam, porque, apesar de tudo, precisam ter alguém pra poder olhar e conversar, mesmo que seja um cara feia. https://www.youtube.com/watch?v=mmMBv-_Xm6Q "Você salvou minha vida, porque? - Eu preciso olhar para outra cara. Mesmo tão feia quanto a sua."



3. Terra, Conflito Final - Um alienígena Taelon, da galáxia Meruva. Eles vivem todos ligados em uma comunhão psíquica. Embora seus corpos sejam separados, suas mentes estão todas ligadas em uma rede. http://earthfinalconflict.wikia.com/wiki/Taelon

Talvez, o importante para nos preocuparmos não seja quando a vida começa, mas sim, quando ela faz falta.

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