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domingo, 24 de abril de 2016

Anarquismo - David Graeber

https://www.youtube.com/watch?v=vZoDDyu_X_0&t=3m39s

3:39 - David: Acho que as pessoas reconheceram que o processo político formal não é realmente democrático e não pode ser. Não importa em quem você vota, as políticas são determinadas por uma burocracia global que obedece às finanças e ao capital. Realmente não faz diferença. Não dá para reformar a estrutura. Então, de agora em diante, parece que quando houver um movimento democrático, ele terá a forma de uma democracia direta, de ação direta auto-organizada e as pessoas tentando resolver seus próprios problemas, envergonhando os políticos e, ao fazer essas coisas, demonstrando a irrelevância deles.

Jornalista: Algumas pessoas criticam o fato que estes movimentos não possuem líderes, não têm uma lista de demandas, que não é o modo tradicional de fazer as coisas e que isso não trará nenhum resultado. Você acha que isso é essencialmente parte deles?

David: Eu posso falar do Occupy Wall Street e foi por isso que funcionou. Houve esforços atrás de esforços para seguir o caminho tradicional. Fazer uma lista de demandas, ter porta-vozes, mesmo no Parque Zuccotti, em Nova York, houve uma tentativa de ocupar o Parque Zuccotti seis meses antes de nós que fez exatamente isso. Eles tinham uma lista de 27 demandas para o governo, tinham porta-vozes, tinham equipes de mídia treinadas, tinham uma organização hierárquica, eles tomaram o rumo convencional e 10 pessoas compareceram. Não deu em nada. Ninguém mais quer fazer isso porque ninguém acredita que vai funcionar. Quando aparecemos com democracia direta, todos participando igualmente e recusando participar no processo político - que vimos como essencialmente corrupto - de repente, milhares de pessoas apareceram. De repente, tínhamos 800 ocupações espalhadas pelos Estados Unidos.

Jornalista: Você é um defensor do anarquismo como uma posição política, como uma política, não anarquismo no sentido de um levante descontrolado, como as pessoas parecem entender, mas como um conceito histórico e político. Até que ponto você acha que o anarquismo político está presente nestas manifestações?

David: Acho que é uma inspiração essencial. Claro que tem que ter em mente que o anarquismo que falamos hoje é muito diferente do tipo de anarquismo que tínhamos em 1890 ou em 1930. Está permeado de feminismo, como por exemplo, nos processos de consenso, que são vistos como processos anarquistas, mas vêm do feminismo. Há também tradições espirituais que foram importantes, mas o compromisso básico do anarquismo - eu gosto de pensar como uma questão de horizontes - nós desejamos um mundo sem estruturas sistemáticas de coerção violenta. Sem política, sem tribunais, sem prisões. Sem o Estado, sem o Governo.

Jornalista: Sem o Governo?

David: Sem o Estado não quer dizer sem um sistema de saúde, mas não seria gerido por uma estrutura centralizada de coerção burocratizada. O problema agora é que há Estados que insistem que são os únicos que podem gerir tais coisas. Achamos que as pessoas podem gerí-las democraticamente por si mesmas. Para mim, o que o anarquismo significa é o compromisso de criar esse tipo de mundo. A verdadeira essência do anarquismo para mim é a rejeição da noção de que o fim justifica os meios. A rejeição da idéia de que é possível criar uma sociedade livre ao dar mais poder para a política, que é possível criar uma sociedade livre por meio de coerção, que se pode criar uma sociedade mais democrática centralizando o poder, que temos que ir para um sistema mais autoritário para criar um sistema mais livre. Isso fracassou em todos os lugares. Nunca funcionou e não há nenhuma razão para acreditarmos que vai funcionar algum dia. Temos que começar por criar as instituições de uma sociedade livre agora. É por isso que os anarquistas falam de democracia direta. É por isso que os anarquistas falam de democracia direta e também de ação direta. Gosto de pensar nisso como uma insistência desafiadora em agir como se já fosse livre. Vamos tentar criar as estruturas que poderiam existir sem coerção agora.

Jornalista: Isso requer muita confiança nas pessoas, que elas sem um Estado, sem um Governo, sem estas instituições repressivas, se comportariam corretamente. A maioria... Você espera que elas façam isso?

David: Na verdade, eu tenho provas empíricas disso. Eu sou um antropólogo. Vivi em um lugar assim. Estava em uma parte do mundo, em Madagascar, em que a polícia tinha saído de lá 10 anos antes e, na verdade, o Governo não estava funcionando, fornecia professores escolares, mas era apenas isso. O mais incrível é que levei seis meses para descobrir o que estava acontecendo, porque essas pessoas continuaram a viver como se o Governo estivesse lá e esperavam que ninguém notasse.

Jornalista: No outro extremo, ainda na África, não muito longe de Madagascar, temos o exemplo da Somália em que o Estado desapareceu e o que tivemos foi caos total.

David: O Estado não desapareceu na Somália. O que aconteceu foi que o Estado desapareceu em 80 pequenos Estados. Se a autoridade estatal se dissolve enquanto as pessoas já estão no meio de uma guerra civil, que foi o que estava acontecendo, é provável que a guerra civil não pare imediatamente. A ironia é que - pelo que sei - os padrões de vida, expectativa de vida, mesmo na Somália, que é o pior cenário possível, na verdade melhorou desde que o Estado se dissolveu.

Jornalista: No seu livro "Democracia" há um momento que você diz, perto do final, que é necessário resgatar o comunismo. Você claramente não está falando sobre a linha da Coréia do Norte ou dos soviéticos.

David: Isso é o oposto do que o anarquismo acredita - Exatamente.

Jornalista: Que comunismo é esse que você quer resgatar?

David: De certa forma, o comunismo é algo que estamos fazendo o tempo todo. O slogan do comunismo no século XIX era para cada um de acordo com suas habilidades, para cada um de acordo com suas necessidades. Se você pensar, muito do que você faz é baseado nisso. Se você está cooperando com alguém para resolver um problema, mesmo se você estiver trabalhando para Exxon Mobil ou Bechtel ou alguma corporação capitalista, se digo a alguém "você pode me passar a chave de fenda?" eles não respondem "O que eu ganho com isso?". Você opera nas bases de que isso é o que eu preciso, isso é o que eu tenho... É a única coisa que funciona. É prático. Nesse nível acho que muito do que fazemos tem um certo nível de comunismo e parte do que fazemos é puramente baseado no comunismo. Somos todos comunistas com nossos melhores amigos, com familiares e em toda sociedade em que as pessoas lidam umas com as outras com qualquer nível de civilidade há um mínimo de comunismo. Eu chamo de comunismo de base. Então, seguindo essa linha, eu diria que todas as sociedades são baseadas no comunismo. De certo modo, o capitalismo é apenas uma maneira ruim de organizar o comunismo. Então, o que me interessa é encontrar um jeito melhor de organizar o comunismo.

Jornalista: Essa transformação, essa revolução, quem a liderará? Quem estará à frente do movimento? Trabalhadores, desempregados, estudantes?


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